CARNE DE PESCOÇO

29 maio 2006

Efêmero

Era inverno e chovia.... Eu caminhava ao acaso como muitas vezes havia feito na vida. Voltava para casa. Resolvi comprar cigarros, eu não fumo, porém naquele dia senti vontade... Acho que era a depressão e a angústia que haviam finalmente se apossado de mim.
Parei na primeira banca que encontrei, pedi os cigarros (de cravo), paguei e fiquei à porta da banca dando uma olhada nas capas das revistas pornôs, que sempre estão penduradas nas portas das bancas. Quando distraído ia retomar meu caminho rumo à sarjeta fétida do mundo (cantarolando alguma coisa, Radiohead se não me engano), dei de cara com “ela”. Que lábios, que boca! Quase esbarramos, ela educadamente me pediu desculpas...– Não foi nada (infelizmente)! Que lábios, que boca, que seios! Estava um pouco molhada nos quadris. Que cintura!
Ela também viera em busca de cigarros, comprou-os e de pronto levou um a boca. Que boca... Que lábios! – Fogo? Indagou-me olhando nos olhos. Que olhos! Eram castanhos, comuns e belos... Porém, também sagrados, sabiam olhar... Viajei dentro deles por eternos segundos em que me senti acolhido. Gozei de paz que nunca tivera! Não arriscaria dizer feliz... Apenas em paz!
- Tenho! Respondi acendendo seu cigarro que já estava à boca... Que boca, que lábios! Até hoje não sei de onde surgiu aquele isqueiro em meu bolso.
Paramos lado a lado observando a chuva que caía. Ela exalava um perfume suave e demoníaco, que aguçava ainda mais meus sentidos. Iniciamos uma conversa. Nada especial, apenas coisas do tipo - “chuvinha da porra”...
– É!
Alguns segundos em silêncio e ela acanhadamente olhou-me novamente nos olhos... Que olhos! Sentia que estávamos flertando, em silêncio, cada um em seu universo... Ficamos um pouco mais calados, mudos, apenas contemplando-nos platonicamente... Sabia que aquele corpo angelical ardia em desejo... Que boca, que olhos, que coxas!
Tentei quebrar o silêncio que já estava se tornando constrangedor, porém ela me interrompeu desculpando-se novamente...
– Preciso ir não tenho muito tempo!
Fui tomado de pavor e angústia... Suas palavras foram as algozes mais terríveis que já enfrentara... Aliadas a solidão, ou ao medo dela!
De súbito não soube o que fazer, realmente senti que amava aquela mulher, amava-a como nunca amara alguém na vida, nem a mim mesmo! Sabia que a perderia para o mundo se partisse naquele instante, porém não queria prendê-la, apenas gozar mais alguns minutos de sua presença... Rapidamente, agindo meio que por instinto, agarrei-a pelo braço esguio e roubei-lhe o beijo mais apaixonado que ela já houvera recebido... Sutilmente minha amada reagiu ao meu gesto colocando a mão suavemente em minha boca como uma forma de censura...
- Na boca não amor!
Morri...

24 maio 2006

A morte do velho


As onze e quarenta a mulher, com mau pressentimento, tentava acalmar as cadelas que uivavam como nunca. Meia hora depois foi avisada que seu marido foi encontrado morto, não muito longe dali.
Setenta e poucos anos, o velho morreu trabalhando com o trator. O velório foi em sua casa, com muita gente, vizinhos, parentes, amigos, uns de longe, padre, até alguns que não conhecia. As mulheres fizeram bolo e café. A noite toda, todos acordados, hora chorando, hora quietos.
Na igrejinha abarrotada, com o ventinho soprando e bastante pó, entrou o caixão ao badalar do sino rouco. Não foi tão triste, foi só o fim dele. E com o velho também estava indo um jeitão de viver. Trabalhador, simples. Que arava, carpia e trabalhava com as próprias mãos o seu terreno.
O velho estava indo. E já estava ficando desajustado, tudo estava estranho pra ele. As coisas estavam diferentes. Aqueles cafés com pão, manteiga, queijo, lingüiça, bolo, nata tudo caseiro; não existia mais. Estranhou quando viu alguém mandar buscar uma pizza. Poucas visitas, cada vez menos conversas, sem força pro trabalho e o pior eram os remédios.
Admirava seu neto que passava quatro horas na frente de um computador e imaginava que isso deveria ser bom. Não saberia aconselhá-lo.
Levado a seis mãos até o cemitério, uns duzentos metros da igreja, onde foi enterrado, sob sons de sanfonas de amigos lembrando qual sua música preferida.

11 maio 2006

1984

O livro Mil Novecentos e Oitenta e Quatro (1984), uma utopia pessimista de Eric Arthur Blair sob pseudônimo Gerge Orwel versa sobre um grande olho que tudo observa, o Big Brother. Neste Big Brother resume-se o que todo poeta, ignorante ou não, teme: o maldito controle do sistema. Como aquele professor do filme The Wall que pega os versos escritos do garoto com escárnio e diz: poemas? E lê enquanto todos colegas riem. Satirizando a ilusão do garoto de se tornar um poeta. O professor era o sistema! Imagino a angústia do garoto.
Outra lembrança que me persegue é do filme Alphaville, Godard; no qual o detetive afronta a cidade dominada por um superpensamento-máquina e consegue vencê-lo confundindo-o com suas respostas dúbias, poéticas.
Essas idéias afetam aos que pensam, quase como um delírio persecutório de um mecanismo que vigiaria todos os humanos, inibindo a expressão e esperando conclusões que agradem o sistema. Como todo regime autoritarista tentou.

É do Raul a paranóia de saber que alguém vê tudo que se faz dentro do banheiro, terrível! Mesmo que seja deus, deus bom, deus mal, é terrível, dá medo!
Imagina Keroac, sendo observado todo tempo em suas andanças. On the road seria algo como um reality show de um mendigo, sem suas persepções que o tornaram um santo, um vagabundo iluminado. Ou tantos outros que o Big Brother deixaria assim nivelado por baixo, bem por baixo.
Não sou cult, e não vou divagar sobre o ser, mas gostaria de livrar-me, mesmo que por poesias, ou quase poesias, do medo de ser controlado pelo Big Brother de Orwel.
Assim divagava Zaratustra.

APENAS TENTO...

(........)

Eu não estou aqui para te convencer de nada!
Embora você ache que eu SOU isto ou aquilo,
não ESTOU nem perto de SER...
Aliás, não ESTOU nem tentando parecer.
Nunca quis SER você e, espero, que você também não,
pois se tentas definir o que SOU é porque não o ÉS
e nem está perto de SER.
Talvez o que você pensa SER ou
o que você pensa que eu acho que ÉS, te decepcione...
...por isso ,algumas vezes não pareço mas, definitivamente, SOU.
E até tento não SER, de tanto que SOU!
Não te incomodes, então, pelo meu insistente SER, pois te confundirás
mesmo tão explicitamente SENDO.
Não te perturbes pelo meu tão convicto SER,
pois amanhã eu posso SER o ÉRA !!!

Jóca Barrett

08 maio 2006

AO CARO AMIGO BIG BROTHER:

Não pude deixar de me emocionar com seu comentário sobre meu "Insight Floidiasepínico 1" e, senti-me realmente meio desconfortável sendo analisado por sua cara oleosa de quimeras de cera. Bem, para que eu não corra mais este risco tentarei ser claro:
Estas poucas e ,acredite, despretenciosas palavras agrupadas que intitulei "Insight" só ganham o status de "poema" e-ou "psicodélico" se você quiser...
ou talvez não seja você quem vai decidir isso ... nem eu, afinal de contas, como vc mesmo disse, eu sou apenas um 'leigo', embora lúcido e insano, que se alimenta de restos de livros lidos e que detêm a minha própria e invendável verdade.E você,com a sua, boa sorte nesta sua "CRUZADA pela procura da psicodelia".Eu, algúris, já a encontrei e, confesso, falta-me paciência desde então para aturar este seu velho circo com seus palhaços medíocres. E nem sou pago para te mostrar aonde e como encontrá-la!!!
Marche Big Brother!!!
Se não gostou, vá reclamar com o Bispo!!!
Jóca Barrett

07 maio 2006

A Vala Comum


Então que tipo de pessoa é eclética? Justamente aquela que não gostam de coisa nenhuma. São os sem interesse, sem convicção, sem conteúdo que acham que vão agradar ao dizerem que gostam de tudo. Geralmente não agradam, pois na verdade não gostam realmente de nada. Na música é assim.
_Do que você gosta?
_Sou Eclético, gosto de sertanejo, samba, rock...
_Hã... Então gosta de rock’n roll?
_Ééé, mais ou menos.
_Qual banda você gosta?
_Não me lembro bem o nome, aquela que tinha uns cabeludos e tocavam com guitarras.
A essa altura mesmo febril de raiva, arrisco:
_Beatles?
_Ééé, essa é boa, essa aí.
Aaaah! Ela falaria isso pra qualquer nome de banda que eu dissesse. Odeio os ecléticos.
Outro dia uma menina me disse: Não gosto de rock’n roll, gosto de pagode! Bem, soube que não poderíamos mais falar sobre isso, mas foi bem melhor do que dizer que era eclética.
No mundo dos ecléticos habitam os sem partido, os sem bandeira, os sem gosto, os mornos. E como lembrava um não-eclético: morno até Deus vomita, e olha que isso está escrito em algum lugar importante.
Ecléticos é a massa acéfala dos que não se arriscam em nada, atirados na vala comum dos politicamente corretos. Interessante esse termo que se refere aos que não querem incomodar com suas idéias, geralmente conservadoras e egoístas. Temem, embora jurem que não, ser diferentes.
Ei ecléticos! Cortem seus cabelos, coloquem uniformes, marchem! Sumam daqui.
Assim falava Zaratustra.

05 maio 2006

Anseios

Serão vacas voando num céu de diamantes, ou será apenas mais um barbiturico da alma insana que se apodera de meus pensamentos.
Eu não sou meu passado, nem meu futuro, sou a sombra, que costuma fazer vítimas fatais a cada novo amanhecer. Morra infame! Sonhe com uma nova vida que, cheia da vaga lembrança irá sepultá-lo num túmulo frio e cheio de sons que permeiam a ilusão de uma vida mórbida...

Chamas gelam e cubos queimam...

É o mar de areia que revolve as víceras da ilusão... Bum!