Marquinhos
-Mas que porra é essa? Falou para si mesma Ana Luiza enquanto entrava em sua S.U.V. importada. Dirigiu até sua casa com pressa. Entrou no condomínio, mal estacionou em frente a porta, entrou gritando – Marquinhos, vem aqui, já!
Marquinhos largou o livro que lia, assustou-se com o grito da mãe e desceu correndo as escadas. Viu a mãe com uma cara muito brava e logo perguntou – Que que eu fiz? Maria Luiza tirou uma fotocópia de dentro da bolsa e mostrando para Marquinhos perguntou – Mas que porra é essa? Que porra é essa, Marquinhos? Botou as mãos na cintura, suspirou profundo, e continuou – Como é que você me apronta uma como essas? Passei a maior vergonha dentro do gabinete da diretora.
Marquinhos fez cara de quem foi descoberto, aquela sensação de arrependimento, o milésimo de segundo no qual acreditamos que o crime não compensa. Começou a olhar para o chão. Sua mãe continuou – Porra, Marquinhos, ontem quando fui chamada para comparecer na diretoria do colégio, imaginei que seria por algo interessante, e não por essa vergonha aqui. Abriu bem o papel fotocopiado e esfregou na cara do filho. A empregada, Zilma, que trabalhava com a família há 15 anos, veio da cozinha, assustada com os gritos e perguntando o que estava acontecendo.
- Esse infeliz desse maluco me aprontou uma boa, Zilma. Olha porque eu fui chamada no colégio dele, olha isso Zilma!!
Paulo André afrouxou a gravata, deu tchau para sua secretária e entrou no amplo elevador panorâmico do arranha-céu que abriga seu escritório. A vista era a da baía da Guanabara. Discou do celular para um amigo, recebeu rapidamente a resposta.
- Fala PA, saindo do escritório?
- Então, sexta-feira, passa lá em casa, a Ana vai fazer um Hot Pot asiático qualquer.
- Perfeito, respondeu o amigo, já estava marcado, só vou passar para pegar nossa sobremesa.
O Audi partiu para a zona sul, Paulo André escutava Oasis num volume ensurdecedor.
- Minha nossa Senhora Padroeira, o que é isso dona Ana, o que esse menino fez? Perguntou aflita Zilma, secando as mão num pano de prato branco.
- Fez o que não devia, Zilma, fez o que não devia, parece que não aprende!
Marquinhos esboçou um discretíssimo sorriso, como quem se orgulha pelo estrago que causou, mas evitou que a mãe percebesse, afinal, sabia que estava em maus lençóis.
- Jesus Pai Amado, esse menino nunca foi de aprontar.
- E não é a primeira vez que eu peço para evitar isso, não é Sr. Marquinhos? Não é?
O celular de Paulo André tocou, ele não teria escutado se não fosse o vibracall. No outro lado Nunes, seu chefe.
- Já está na rua PA?
- Claro, indo pra casa. Tu vai aparecer essa noite?
- Conta comigo, precisa de sobremesa?
Zilma pensou em ficar ao lado de Marquinhos, seu pequeno amor há anos, mas preferiu escutar um pouco mais Ana Luiza.
- Olha isso Zil, olha a redação que essa peste apresentou no colégio. Uma coisa simples, “descreva em modo dissertação o seu passatempo predileto”, simples, muito simples, mas não, ele não pode simplesmente fazer essa simples redação, ele não consegue, não é Marquinhos? Não, não...
Zilma pegou o papel e começou a ler
“Rio de janeiro, 25 de abril de 2006.
Meu passatempo predileto é baseado na maravilhosa presença dos meus amigos e na maravilhosa arte da música. Sempre que estou estressado, incomodado com algo, cansado dos meus deveres, ou simplesmente sem fazer nada, preparo o encontro com meus amigos. É bastante simples e muito gostoso, quase um jogo. Depois de uma bela refeição, geralmente um jantar, eu e meus amigos nos reunimos na ampla sala da minha casa estirados nos confortáveis sofás. Então preparamos o computador, já abastecido de umas 45 mil músicas, conectado com o sistema de som da sala. A conversa vai evoluindo, todos animados. Nesse momento começa o entorpecimento da razão social e o desabrochar da razão humana. Alcançamos esse estágio fumando um haxixe de ótima qualidade e tomando um bom vinho, geralmente europeu, salvo quando um dos amigos trás suas especialidades californianas. Cada um tem o direito de escolher e programar duas músicas por vez, de maneira anti-horária, enquanto a bola passa no sentido horário. O vinho não passa, é claro. Conforme as mentes se libertam a conversa toma rumos deliciosos e o fundo musical é impressionante. Por vezes percebemos uma excelente canção, faixa lado B de um álbum antigo de um grupo do passado, isso toca a todos e o amigo que escolheu recebe vários elogios. Não tem ganhador, mas sempre tem um dos colegas que se destaca colocando umas obras de arte esquecidas do Frank Zappa, It’s a Beautiful Day, Jeferson Airplane, Nick Mason... e outros se destacam mostrando estilos novos que, apesar da resistência do grupo, nos surpreendem, como Alias & Tarsier, Amon Tobin, Mogway, Mobi, Muse, etc. Num dado momento a cabeça está tão longe e a música tão perto que parece que a caixa de som está dentro do nosso peito, a gente tem lembranças gostosas do passado e planos geniais para o futuro. Nessa altura todas as músicas, principalmente os clássicos como Rolling Stones, Pink Floyd, Led, Kinks, Red Hot, Pearl Jam, entre outros, nos levam a um estado de transe e nos mantém sorrindo. O cansaço vem chegando, alguns dormem em casa, outros esperam melhorar para poderem voltar, de táxi é claro. E assim passo o meu tempo livre.”
Zilma fez cara de espanto, colocou a mão espalmada em frente a boca aberta e exclamou – Jesus, Maria e José!!!
-Viu Zilma, viu isso? Você acredita nisso que ele aprontou. Entregar uma redação como essa.
- Mas dona Ana, ele é uma criança. A senhora acredita nisso, um menino de 8 anos de idade, meu Deus!! Oito anos, isso é impossível!
- Claro né, Zil. Não é disso que eu estou falando. A merda que esse pirralho fez foi pedir mais uma vez ajuda para o desajustado do pai dele nos deveres da escola.
Paulo André entra pela porta da frente dizendo – Querida, cheguei. Nossos amigos estão vindo, com a sobremesa.
Marquinhos largou o livro que lia, assustou-se com o grito da mãe e desceu correndo as escadas. Viu a mãe com uma cara muito brava e logo perguntou – Que que eu fiz? Maria Luiza tirou uma fotocópia de dentro da bolsa e mostrando para Marquinhos perguntou – Mas que porra é essa? Que porra é essa, Marquinhos? Botou as mãos na cintura, suspirou profundo, e continuou – Como é que você me apronta uma como essas? Passei a maior vergonha dentro do gabinete da diretora.
Marquinhos fez cara de quem foi descoberto, aquela sensação de arrependimento, o milésimo de segundo no qual acreditamos que o crime não compensa. Começou a olhar para o chão. Sua mãe continuou – Porra, Marquinhos, ontem quando fui chamada para comparecer na diretoria do colégio, imaginei que seria por algo interessante, e não por essa vergonha aqui. Abriu bem o papel fotocopiado e esfregou na cara do filho. A empregada, Zilma, que trabalhava com a família há 15 anos, veio da cozinha, assustada com os gritos e perguntando o que estava acontecendo.
- Esse infeliz desse maluco me aprontou uma boa, Zilma. Olha porque eu fui chamada no colégio dele, olha isso Zilma!!
Paulo André afrouxou a gravata, deu tchau para sua secretária e entrou no amplo elevador panorâmico do arranha-céu que abriga seu escritório. A vista era a da baía da Guanabara. Discou do celular para um amigo, recebeu rapidamente a resposta.
- Fala PA, saindo do escritório?
- Então, sexta-feira, passa lá em casa, a Ana vai fazer um Hot Pot asiático qualquer.
- Perfeito, respondeu o amigo, já estava marcado, só vou passar para pegar nossa sobremesa.
O Audi partiu para a zona sul, Paulo André escutava Oasis num volume ensurdecedor.
- Minha nossa Senhora Padroeira, o que é isso dona Ana, o que esse menino fez? Perguntou aflita Zilma, secando as mão num pano de prato branco.
- Fez o que não devia, Zilma, fez o que não devia, parece que não aprende!
Marquinhos esboçou um discretíssimo sorriso, como quem se orgulha pelo estrago que causou, mas evitou que a mãe percebesse, afinal, sabia que estava em maus lençóis.
- Jesus Pai Amado, esse menino nunca foi de aprontar.
- E não é a primeira vez que eu peço para evitar isso, não é Sr. Marquinhos? Não é?
O celular de Paulo André tocou, ele não teria escutado se não fosse o vibracall. No outro lado Nunes, seu chefe.
- Já está na rua PA?
- Claro, indo pra casa. Tu vai aparecer essa noite?
- Conta comigo, precisa de sobremesa?
Zilma pensou em ficar ao lado de Marquinhos, seu pequeno amor há anos, mas preferiu escutar um pouco mais Ana Luiza.
- Olha isso Zil, olha a redação que essa peste apresentou no colégio. Uma coisa simples, “descreva em modo dissertação o seu passatempo predileto”, simples, muito simples, mas não, ele não pode simplesmente fazer essa simples redação, ele não consegue, não é Marquinhos? Não, não...
Zilma pegou o papel e começou a ler
“Rio de janeiro, 25 de abril de 2006.
Meu passatempo predileto é baseado na maravilhosa presença dos meus amigos e na maravilhosa arte da música. Sempre que estou estressado, incomodado com algo, cansado dos meus deveres, ou simplesmente sem fazer nada, preparo o encontro com meus amigos. É bastante simples e muito gostoso, quase um jogo. Depois de uma bela refeição, geralmente um jantar, eu e meus amigos nos reunimos na ampla sala da minha casa estirados nos confortáveis sofás. Então preparamos o computador, já abastecido de umas 45 mil músicas, conectado com o sistema de som da sala. A conversa vai evoluindo, todos animados. Nesse momento começa o entorpecimento da razão social e o desabrochar da razão humana. Alcançamos esse estágio fumando um haxixe de ótima qualidade e tomando um bom vinho, geralmente europeu, salvo quando um dos amigos trás suas especialidades californianas. Cada um tem o direito de escolher e programar duas músicas por vez, de maneira anti-horária, enquanto a bola passa no sentido horário. O vinho não passa, é claro. Conforme as mentes se libertam a conversa toma rumos deliciosos e o fundo musical é impressionante. Por vezes percebemos uma excelente canção, faixa lado B de um álbum antigo de um grupo do passado, isso toca a todos e o amigo que escolheu recebe vários elogios. Não tem ganhador, mas sempre tem um dos colegas que se destaca colocando umas obras de arte esquecidas do Frank Zappa, It’s a Beautiful Day, Jeferson Airplane, Nick Mason... e outros se destacam mostrando estilos novos que, apesar da resistência do grupo, nos surpreendem, como Alias & Tarsier, Amon Tobin, Mogway, Mobi, Muse, etc. Num dado momento a cabeça está tão longe e a música tão perto que parece que a caixa de som está dentro do nosso peito, a gente tem lembranças gostosas do passado e planos geniais para o futuro. Nessa altura todas as músicas, principalmente os clássicos como Rolling Stones, Pink Floyd, Led, Kinks, Red Hot, Pearl Jam, entre outros, nos levam a um estado de transe e nos mantém sorrindo. O cansaço vem chegando, alguns dormem em casa, outros esperam melhorar para poderem voltar, de táxi é claro. E assim passo o meu tempo livre.”
Zilma fez cara de espanto, colocou a mão espalmada em frente a boca aberta e exclamou – Jesus, Maria e José!!!
-Viu Zilma, viu isso? Você acredita nisso que ele aprontou. Entregar uma redação como essa.
- Mas dona Ana, ele é uma criança. A senhora acredita nisso, um menino de 8 anos de idade, meu Deus!! Oito anos, isso é impossível!
- Claro né, Zil. Não é disso que eu estou falando. A merda que esse pirralho fez foi pedir mais uma vez ajuda para o desajustado do pai dele nos deveres da escola.
Paulo André entra pela porta da frente dizendo – Querida, cheguei. Nossos amigos estão vindo, com a sobremesa.