CARNE DE PESCOÇO

10 julho 2008

O Egoísmo Salvador (homenagem aos 30 anos do "gene egoísta")

O egoísmo salvador

Não mexa nas minhas ferramentas! Não ouse mexer nas minhas ferramentas. As ferramentas são minhas, por direito ou por justiça, por merecimento ou por graça, mas são minhas. São as únicas coisas que tenho, são o que me mantém em pé. Sem elas não há sentido para a vida, pelo menos para o que o emaranhado gorduroso neuronal da minha cabeça conhece por vida. O cenário temporal, convencional, interativo tribal que conheço como existência nessa massa de substância orgânica que caminha pelas ruas. Matéria ou onda, filosofia quântica inútil, não mexa com as minhas ferramentas!
Só mantenho a unidade reconhecível desse punhado molecular baseado em carbono e hidrogênio como sendo eu, o eu que é determinado, por causa das minhas ferramentas. Não se atreva a pensar em mexer com as minhas ferramentas.
Se já te deixei invadir os mecanismos que suportam a maquinaria do meu ser, foi porque assim era necessário, alguma ferramenta clamava por essa invasão. Assim como ferramentas clamam por mais energia solar na forma de tecidos de outros seres vivos, assim com clamam por interação cooperativa entre seres semelhantes e aparentados, assim como clamam por segurança de poder e poder de segurança, assim como clamam por âncoras e delimitações sociais que criem identificação, algumas dessas ferramentas clamam por você. E você é um importante óleo que azeita as engrenagens da complexa cadeia de regulagem intuitiva que mantém agregada numa forma conhecida como vida, esse amontoado de energia e espaço vazio.
Mas você também tem as suas ferramentas, e quando as suas ferramentas não somente funcionam como uma interação sinérgica e com percepção positiva bilateral, mas começam a domar as minhas ferramentas... aí não, do not fuck with my tools!!
Como o fenótipo estendido dos genes dos insetos sociais que expressam em outros insetos as suas próprias intenções, usando a sua máquina, o seu esforço vital para o benefício unilateral, criando a submissão completa e a absurda economia de uma energia escassa, assim as ferramentas dos que nos cercam também o querem. De forma sutil a tentativa de mudar o clamor básico da identidade, filogeneticamente mantido há milhões de anos, altamente performático, é a primeira fase. A despersonalização abranda as bandeiras, a perda de identidade borra as fronteiras, o esquecimento dos clamores tão delicadamente criados e que mantiveram com sucesso a interação harmoniosa com o ambiente e a tribo causa atordoamento da guarda.
Assim as ferramentas ganham outro senhor, trabalham para outros fins, como insetos sociais escravizados. A sensação de culpa é a forma sensorial que muito ajudou a evolução humana para algo discretamente acima da besta, mas é essa mesma culpa que abre uma pequena brecha para o crescimento do fenótipo estendido de outrem para uso das nossas ferramentas.
Por isso, não venha me despersonalizar, não venha me tirar a identidade, não venha me causar esquecimentos e amortecimento. Usemos ambos nossas ferramentas, clamemos pelo que nos faz bem, busquemos a energia que nos mantém interagindo com o cosmos, em equilíbrio, em equilíbrio, em equilíbrio....