CARNE DE PESCOÇO

30 agosto 2006

“ Magical Mystery Tour”


Quem sabe ainda eu seja como Jack Kerouac, o santo padroeiro dos estradeiros, definiu: “um estranho e solitário católico louco e místico”. Me encontro aqui, ao redor dos meus 30 anos recém completados, tentando aproveitar uma centelha mística junto com as últimas doses colossais de entusiasmo (com outras doses a mais) de um apaixonado, febril e nervoso sonho que habitou secretamente minha cabeça desde a pós-adolescência: a transcendência, mesmo que fugaz, das circunstâncias mais lúgubres da minha vida para alguns momentos fantásticos e oníricos na ‘Montanha Mágica’.
Para isto, transformarei-me num peregrino místico, por 2 ou 3 semanas, tal qual San Juan de La Cruz, Knulp, Sal Paradise, Sidarta e tantos outros que passaram boa parte da vida ‘celebrando a estrada aberta’ e escrevendo seus ‘romances em movimento’ como Don Quixote de Cervantes.
Partirei, como o herói de On The Road, do “Leste da minha juventude para o Oeste do meu futuro” , “seguindo o sol na rota do poente” ou qualquer outra metáfora lisérgica com pontos cardeais que me levem aos pés da ‘Venerável Cordilheira’.
Aos pés, onde possa vislumbrar o cume nevado e esquecer da minha antiga jornada que se confunde com a própria e petulante jornada da humanidade ocidental.
Subir devagar, respirando o, cada vez mais escasso, verde ar e curar a minha febre onírica por contemplação; acalmar, enfim, meu coração real com a sonoridade psicodélica desta Terra irreal. Encontrar uma ‘luz no meu caminho’? Talvez, mas com certeza encerrar o simulacro de uma fase que iniciou aos 18 anos e terminará quando retornar.
Depois disso casarei, terei filhos, plantarei Pinus, provavelmente perderei o lado místico e maravilhoso.
Meu mundo se tornará real porém meu coração, para sempre, irreal.
Jóca Barret
obs: algumas frases acima são de Kerouac e outra de Henrique Gebur.

18 agosto 2006

Mil maneiras de escutar pink floyd

Deu duas sopradas no disco e botou The wall pra rodar, em vinil, na sala, Lets mami there’s no play in the sky... Veio pensativo pra dentro do banheiro. Pegou um papel e uma caneta, olhou pras linhas, olhou pra janela, olhou de novo pras linhas, colocou a caneta no papel escreveu a letra Q, pensou bem, ia escrever querida, não escreveu. Ligou a banheira com água quente, aquele som da água, lembrou-se do rio, do mato, de seus amigos, de um por de sol, riu um pouco, nisso a vitrola anunciava o fim de goodbye blue sky e depois de uns chios de vinil começou empty spaces. Tirou a sua blusa, seu tênis, adorava dia que usava tênis, normalmente usava sapatos. Tirou sua carteira do bolso das calças e no movimento displicente cai uma foto de sua filha. Cueeeeeeel gritou lá na sala a guitarra do disco. Parou, estremeceu diante daquele rostinho, aqueles olhinhos com interrogação, cabelos lisos loirinhos, só não tinha os olhos claros de sua mãe. Uuuuuuh I need a dirty woman! Onde estaria ela? Impossível pensar agora, precisava se concentrar. Ficou nu. Abriu seu vinho e serviu-se, prestando atenção naqueles sons do líquido entrando na taça. A banheira estava cheia e com água quente como precisava. Entrou na água e deu seus goles. Ao servir-se pela terceira vez sua mão escorregadia deixa a garrafa cair. _Mas que coisa essa garrafa. Isto não estava programado. Olhou aqueles cacos de vidro... pensou bem, vieram a calhar, era isso! Uma metáfora de sua vida. Onde ela estaria? Lembrou de sua cultura, sua experiência, sua filosofia. Riu com sarcasmo.
Era agora. Pegou o estilete e cortou seus pulsos. A água ia ficando vermelha lentamente tanto quanto sua visão escurecia, não sentia dor. Da sala ouviu a última música do disco goodbye cruel world...

05 agosto 2006

vira latas


Hoje entrou no bar como um vira-latas. E a melhor raça que existe é a dos vira-latas, aqueles sem donos, que todos querem acolher, mas ninguém acolhe e ele nem que ser acolhido. Mas tá por ali, com seu olhar atento, olhinhos pequenos e quando menos espera dá um latido, mostra os dentes ou sai de fino, ninguém segura, pode assobiar que ele não volta, já foi, foi se esgueirando por aí. Não vou falar de abanar rabos que não combina com ele. Você pensa que ele está sem rumo, engano, sabe bem ao certo onde vai, e vai, e vai indo. Às vezes se junta com outros vira-latas vai entrando onde as portas estão abertas, só pra dar uma olhada. Assim ele entrou no bar, reconheci a sua jaqueta, seu andar, hoje ele era um vira-latas, amanhã não sei. Me contou que já entrou em igreja, já entrou em universidades, em bares bem piores que aquele, contou de seus amigos, cães de todas as raças, já entrou onde nem queria lembrar. E as mijadas... não são a melhor coisa da vida como dizem, mas são boas, sempre demarcam seu terreno, é nas mijadas que o vira-latas tem seu momento de reflexão, é onde ele decide muitas coisas. E hoje ele iria sair com uma mulher, não era cadelinha, porque ficaria chato vê-la como cadelinha, mas era a mulher de todos os adjetivos que ele valorizava, sua inteligência, era bonita, era charmosa, era serena, e serena gostava dele, mesmo nesses dias de vira-latas e acima de tudo, talvez o que ele mais gostava, tinha um ar de mistério.
E na minha vida que já anda de pernas pro ar, não é de hoje que sinto prazer em conversar com vira-latas, sempre quero alimentá-los embora às vezes ofereço ossos que não gostam, e alguns ossos que dou eles enterram e não acham mais. Gostaria de tê-los como amigos, embora seja inevitável que rosnem pra mim com freqüência. Hoje ele não rosnou, acho que fui agradável e pudemos trocar olhares sintonizados. E agora ele está aqui nessa mesa de bar e já não é um vira-latas, agora é um lord, é um membro da realeza, um manda-chuva, com toda a nobreza que há tempos gostaria de presenciar. Fala sobre suas coisas, de outras coisas, e de coisa nenhuma, ta sempre ligado, com todo seu equilíbrio e convence a todos que é o excêntrico mais centrado do mundo. Mas daqui a pouco sei que vai transfigurar-se no vira-latas novamente, tomado pelo instinto selvagem e só deus sabe pra onde vai. Aliás, nem deus sabe. Daqui a pouco sei que vai embora, tem que ir, é seu jeitão. O Hary Heller, meu amigo do peito, vai ficar comigo aqui, eu sei, e vamos brindar ter conhecido esse cara maluco. Depois ele volta e assim vai...

ouvindo jupiter child - steppenwolf

ALEIJADOS


Enquanto matam

com tiros

surdos e

Maltratam

persistem

cegos sem

Escapar

do rico mundo

miserável


No ouvido direito sussurra

uma voz

Último suspiro do

mudo

derrotado

Mesmo moribundo eleva sua

piedade

_Coitado dos pobres

homens ricos.

eer