CARNE DE PESCOÇO

26 novembro 2006

Todas as manhãs do mundo


Bem atrás daquele morro os já não tão jovens, antes subiam pelo fio da navalha, no lado selvagem da vida, criando o seu mundo que cisma em perder o sentido. Hoje companheiros se iludem. Ofuscam seus olhos azedos em torno de cifras. “_Meus projetos não incluem você”.
Na sacada, os brâmanes sugam brahmas e entorpecem felizes em histórias velhas, que embalam o porre de quem estava pra cá e não lá. Duas ou três respostas indicavam que a garota Leprechaum entendia, pelo menos um pouco, daquelas coisas de tempos passados. Que sacada.
Já na festa os mesmos personagens que remexiam o passado proibido e pedras de gelo dentro de copos na bebida amarela. Deixam seus lobos internos rosnarem presos, enquanto batem tapas nas costas dos velhos xamãs, algozes e aliados. Vamos voltar ao passado? Mesmo que me arrependa.
Você ama o passado e não vê que o chato, o estéril, o sem graça do novo sempre vem. _Amo o passado! respondeu Hary Heller, mais lobo da estepe do que nunca. _Mas já não somos os mesmos, lembrou minha Afrodite.
Já não somos os mesmos e até nem sabemos se somos. Mas sempre fomos nós.


Na mesa redonda os cavaleiros estavam nauseados. Como se tivessem ganhado a batalha a duras penas, tão duras que já não se sabe se valeu a pena. E deixaram o charuto, a conversa e a festa pela metade. Nem a dança, nem a música, nem o vinho quente lhe subiram pelas cabeças espessas.
E o sono promete reparar o gosto amargo desta aula.
Aula de Saint Colombe, aquele mestre que ensinava a seu discípulo que a devoção à música era algo sério, algo de profundo, algo que não podia ser interesseiro. Ensinava com a austeridade que tocar para o rei era errado.
E o sono me trouxe a esta manhã. A todas as manhãs do mundo.

Referência ao filme: Tous Les Matins Du Monde (1991), de Alain Corneau.