03 abril 2007

Andrucha no analista

- Doutor, eu não sou gay, falou Andrucha estirando-se no divã.
Dr. Frederico tinha 47 anos e muita experiência em consultório. Havia terminado a especialização de cirurgia torácica no início dos anos 90 e subitamente decidiu estudar psicanálise. Não se especializou em psiquiatria, pois iria levar muito tempo e Frederico não queria lidar com loucos. Queria ajudar pessoas normais com distúrbios de humor, depressão, mania, tinha certeza que seria bom nisso. Depois de alguns cursos de psicanálise e acompanhamento de uma clínica abriu seu consultório. Sucesso desde o antigo endereço na zona oeste, agora um confortável local cheio de mármore e móveis confortáveis na Avenida Europa. Apesar da experiência, admitiu uma certa surpresa na afirmação do rapaz.
Andrucha, a primeira vista, era gay. Rapaz de traços delicados, 27 anos, arquiteto especializado em decoração de interiores. Fazia análise com Frederico há alguns meses com queixas vagas de distimia, depressão leve, sintoma que foi mal elucidado durante as últimas consultas.
- Fale-me mais sobre isso Andrucha, ele sempre usava esse chavão.
- É isso mesmo, eu não sou gay, meu pai tem razão, minha ex-namorada também! O que eu fiz da minha vida?
- Calma Andrucha, sem histeria, vamos discutir melhor. Você está muito ansioso, percebo isso na sua voz. Fale-me mais sobre isso.
- É um horror, disse Andrucha fazendo movimentos com as mão no ar. Estou preso dentro de uma personalidade que não me pertence, gritou colocando a mão na testa e fingindo um leve desmaio.
- Fale-me mais sobre isso.
- Tudo bem, vou contar nos miíínimos detalhes para o Sr. Dr. Acontece que um dia vi que não gostava de futebol, preferia os seriados da Sony, principalmente os dramalhões, e algumas comédias também, principalmente as ambientadas em Nova York, aquele cidade charmosérrima com a Times Square ao fundo. O Central Park coberto de neve no inverno, todo mundo bonito e inteligente e ...
- Não se perca em detalhes Andrucha, conte a história, respire com calma.
- Desculpe Dr. Então, eu não gostava de futebol como os meus irmãos, e não gostava também de lutas, nem de corridas de automóveis, mas gostava de ginástica olímpica. Na adolescência tinha muitas amigas meninas, adorava seus diários cor-de-rosa, adorava as conversas e fofocas. Diziam que eu não gostava do mundo competitivo dos meninos, o que não é verdade, pois o mundo das meninas é absurdamente mais competitivo, competitivérrimo. Roupas, franja, amigas, acessórios, tamanho dos seios, tudo é competição. Nessa época tinha o hábito de ler muito, de romances a livros de história, de-vo-ra-va!!! Pensavam que eu iria virar um erudito com esse meu comportamento excêntrico. Em casa ninguém me reprovava, mas na rua já havia comentários entre os amigos do colégio. E nunca fui afeminado.
-Arrãm, compreendo, Frederico repetia isso em intervalos para parecer que prestava atenção.
- Com 16 anos, quando tirei o aparelho ortodôntico percebi que era bonito, deixei o cabelo crescer um pouco, comecei a cuidar das roupa que usava, escolhia a dedo com a minha irmã mais velha. Andava na moda e chamava a atenção. Sempre odiei esportes, mas comecei a malhar, corridas, um pouco de exercícios isométricos, para os músculos, sabe? Namorei a Gabriela, essa ex-namorada que falei. Ela era bem legal, mas não muito bonita. Chamava a atenção por ser também excêntrica, tinha umas unhas roxas liiiindas, pintava os olhos de preto, parecia uma vampira sensual. Transamos algumas vezes, mas isso nunca me excitou.
-Arrãm, compreendo.
- Decidi fazer arquitetura, pois não tinha paciência para medicina, talvez dermatologia. Veterinária nem pensar, adoro gatos, mas tenho horror a bosta de vaca. Economia ia me fazer vestir alinhados ternos de tecido importado, poderia fazer inveja com minhas gravatas ao pessoal que trabalharia comigo nalguma financeira, mas fora a vestimenta nada mais me agradava em finanças. Arquitetura caiu como uma luva, classe com quase só meninas, discussão sobre design, tendências européias, cores, formas, enfim, o universo da beleza. Nada de construir hospitais ou fábricas, eu queria era decorar salas de jantar.
-Arrãm, compreendo.
- Como eu era feliz nessa época... Jantares, festas, drinques sofisticados, Vogue, roupas e cabelos exóticos, seguindo as tendências sem atraso... E aí eu descobri que era gay, quer dizer, eu achei que era gay. Tinha que ser! Não me interessava por meninas, digo, sexualmente, pois a vida feminina me encanta, tinha um jeitão esquisito, que, admito, era muito mais parecido com o do pessoal da comunidade gay do que com os meus irmãos e meu pai. Achava homens bonitos, principalmente se bem vestidos. Nessa época também tinha mania de limpeza, muitos perfumes, mais de dois banhos por dia, estava quase depilando o rosto para ter um barbear per-fei-to!! Já tinha planos de entrar no ramo da decoração, até nome de viado eu tenho, porra!!
- Arrãm, compreendo. Fale-me mais sobre isso.
- E foi óóóóótimo... minhas amigas me deram a maior força. Comecei a freqüentar bares gays, que maravilha, que animação, quanta gente inteligente e bonita. A notícia se espalhou. Minha ex-namorada me ligou dizendo que eu estava equivocado. Minha família não tocava muito o assunto. Lembro ainda do meu primeiro Armani com gravata de seda javanesa, muito na moda naquela época, um horror hoje. Eu estava orgulhoso, era cool ser gay, até na profissão as coisas melhoraram, muitos clientes, as bibas têm bom gosto, e geralmente têm dinheiro. Malhava todo dia, abdome e peitorais de dar inveja. Tinha muita classe, e isso não é para qualquer um! Porém, nesses 8 anos de vida gay nunca tive um namorado, o Sr. compreende?
- Não, não compreendo. Fale-me mais sobre isso.
- Então, sabe como é... minha atração por homens é relativa, mas tinha certeza que era real, então dei tempo ao tempo, tinha certeza que logo ia acontecer. Seria fantástico, imaginava eu, alguém com classe, bonito, inteligente, admirável, tinha que acontecer. Mas não aconteceu. Enquanto eu curtia a maravilhosa vida gay conheci diversos rapazes interessantes, muitos realmente admiráveis, mas sempre botei obstáculos, fiz por muito tempo o papel da bicha elegante, intelectual, tipo o Will da Will and Grace, sabe Dr.? Assim pensavam que eu era exigente e por isso não namorava. Isso não me incomodava, ao contrario, estava sempre muito bem, rodeado de amigos e de uma vida sparkling!
- Arrãm, compreendo.
- Daí aconteceu que um dia, há algumas semanas, deixei de lado meu Côtes du Rhone e meu Châteauneuf du Pape e comecei a beber um Mojito bem do vagabundo num bar elegantésimo na Vila Madalena. Fiquei bem aéreo, parecido com quando fumei erva na adolescência, nunca mais usei drogas. Essa situação me deixou horny, muito horny, excitado. Um amigo, bonito e inteligente, sarado e bem vestido, que já havia me cantado algumas vezes no passado, começou a se engraçar comigo mais uma vez. Dançamos muito, e por um momento eu pensei que era a hora.
-Arrãm, compreendo.
- Nos beijamos na pista, e diferente do que eu esperava, não senti uma sensação maravilhosa de liberdade ou um tesão de dar nó no peito, não, não senti nada. Fomos para a casa dele, eu estava bastante bêbado. Ele tirou a sua roupa e a minha e começou a fazer sexo oral comigo. Não era ruim, mas tive uma sensação bizarra quando pensei que deveria retribuir o favor. Na cama, me lembro pouco das coisas, mas quando ele tentou me penetrar eu evitei. Sei lá, sei que minha região anal é uma área erógena, mas simplesmente não consegui imaginar que ser penetrado pudesse ser interessante ou gostoso. Ele entendeu como uma sugestão de passividade e se preparou para que eu o penetrasse. Ai Dr., fico até envergonhado de contar essas obscenidades para o Sr.
- Arrãm, compreendo.
- Então, penetrá-lo não seria uma tarefa impossível, mas tive um enorme asco de ter que tocá-lo, acariciá-lo, beijar seu pescoço ou algo assim. Porra, é um cara, um homem, um tipo peludo, de ombros largos, voz de homem, cheiro de homem, pé e mão de homem... impossível de me deixar com tesão. Inventei umas desculpas, fingi estar mais bêbado que estava, peguei um táxi e voltei para casa. No caminho comecei alimentar essa dúvida sobre minha homossexualidade. Cheguei em casa e me masturbei, depois de anos, pensando numa prima gostosa que tinha no interior, que hoje está um bucho depois do segundo filho, precisando de uma plástica!
- Arrãm, compreendo.
- E é isso Dr. Agora fico nesse dilema, minha vida é gay, as coisas que gosto são no mínimo metrossexuais, sou um decorador de interiores conhecido nas rodas GLS da cidade. O senhor entende? Não existe ex-gay....!!! Como é que vou fazer??
- Bom, Andrucha, estamos no final da sessão. Espero que você reflita bem sobre isso e conversamos mais na semana que vem. Não esqueça de acertar o mês com a secretaria. Bom dia.
Andrucha saiu do consultório, entrou em sua Mercedez Classe A prateada e voltou para seu loft no Morumbi. Tomou um banho demorado, passou creme no cabelo e um esfoliante no rosto. Fez a barba mais uma vez com todo o cuidado. Serviu uma taça de Porto e preparou uma salada Ardennaise com tomates secos e óleo de oliva marroquino. Vestiu um terno Zegna e foi ao Vert, um bar gay muito badalado na cidade. Chegando lá foi recebido espalhafatosamente por alguns amigos e logo estava numa roda conversando sobre a última exposição no George Pompidou em Paris. Quando foi pedir mais uma taça do almiscarado Beaujolais 1999 encontrou Sônia, a barista portuguesa que estivera de férias. Ela lhe serviu e comentou o vinho com seu sotaque lusitano. Tinha os cabelos lisos e pretos, curtos, mas ainda assim presos num pequeno rabo de cavalo que deixava muitas pontas caindo sobre o rosto. Vestia uma blusinha de alça verde musgo que ressaltava seus lindo seios, calça de skatista coberta pelo avental do bar, onde tinha um bloco, uma caneta e uma pequena toalha. Sorriu simpática cerrando levemente os olhos.
- Ah se ela não fosse lésbica!!!.... pensou Andrucha.

8 Comments:

Anonymous Anônimo said...

Não gostar de futebol tudo bem....

Mas gostar dos seriados da sony é flagrante.

7:38 AM, abril 03, 2007  
Blogger Rafa Kondlatsch said...

Hahahaha, que tesão de história, isso me cheira a conto de consultório, deve ter algum anagrama nos nomes para ocultar as verdadeiras identidades. Agora, Glass, como vc sabe o nome de todos esses produtos ligados ao ramo? Explique-se!

9:35 AM, abril 03, 2007  
Blogger Zaratustra said...

ex - pli - que - se!

4:26 PM, abril 03, 2007  
Anonymous Anônimo said...

Muuuuuuuuuuito longo teus textos Mr. Glass! Deve ser muito bom, mas é um porre de chato!

4:34 PM, abril 03, 2007  
Anonymous Anônimo said...

Ms. Glass: pra mim tá claro animal, tu és no mínimo gilete. Toma vergonha vivente se dou-te um joelhaço!

4:57 PM, abril 03, 2007  
Anonymous Anônimo said...

A-do-rei, Mr Glass!
Quer sair comigo na sexta à noite?
PS. O-dei-io o nome que papai e mamãe me deram.

5:43 PM, abril 03, 2007  
Anonymous Anônimo said...

Profundo encondido,disfarçado.
Pensa-se que é homem e não é,pensa-se que não é homem e é.
Ou é um pouco dos dois.
Esses assuntos ainda são confusos pra mim,sei demais a respeito das pessoas que me rodeiam.
Mas a falta de homem tá foda...Já chega de perdas pro outro time!
Pelo amor de Deus,voltem a ser machos!

10:04 PM, abril 10, 2007  
Anonymous Anônimo said...

hahahahahaha... brilhante cara... na boa... o analista desinteressado é o máximo! você retratou a 'frescurite" do cara que parecia estar vendo mesmo um daqueles gayzinhos intelectuais falando... parabéns pelo texto... qndo puder, visite meu Blog
http://todomundoodeiaoze.zip.net.

falow... até mais

1:23 AM, abril 03, 2008  

Postar um comentário

<< Home