10 dezembro 2006

Onde?

Não que estivesse ruim, não estava, mas realmente ele não estava para aquilo naquele dia. Ela tinha sido atenciosa e carinhosa, como ele gosta, quase como se percebesse que as coisas não estavam exatamente em ordem naquele dia. Ele a mudou de posição, de “cavaleiro” para “por trás”, assim ela não veria o que ele estava para fazer. A ereção não era um problema, grudou com força sua pelve na dela por umas dez vezes seguidas e fingiu gozar, beijou seu pescoço com carinho, ofegante, e várias vezes suas costas e retirou rapidamente o pênis sem mostrar a ausência de esperma na camisinha. Correu jogá-la na privada e voltou para a cama. Ela lhe esperava com um lindo sorriso branco, que formava uma peça maravilhosa com seu pequeno nariz, ligeiramente assimétrico. Deitou-se fingindo um cansaço pós-orgásmico, ela aninhou-se em seu peito acariciando sua barba de três dias e lhe disse – Je t’adore, tu sais? com seu sotaque walon. Ele retribuiu com um beijo em seus cabelos dourados e desarrumados e começou uma espécie de carícia-massagem em sua nuca, ela adorava isso. Ficaram assim 20 minutos, sem dizer palavra. Ela, curtindo o orgasmo que teve e a sensação de segurança. Ele, escutando Nirvana ao fundo, pensava – Uma bala na cabeça resolveria tudo.
Sentiu-se naquele momento o mais injustiçado dos homens, se imaginarmos um mundo baseado em religião, onde tudo o que nos acontece faz parte dos desígnios divinos e podemos, na nossa estúpida condição de marionetes, julgar se o que nos acontece nos faz bem ou não. Sendo assim, era um injustiçado por deus, aquele que escreve torto em linhas retas. Entretanto, como não acreditava nessa falácia religiosa, era suficientemente inteligente para isso, Nietzsche já havia lhe dito que deus estava morto, a única coisa que sabia é que as coisas não estavam bem. Os céticos mecanicistas falariam de “deficiência de serotonina” em algum lugar de nome complicado no cérebro, Lacan e Freud teriam outras explicações, mas ele não dava a mínima. Deprimia, e disso tinha certeza. E deprimia injustamente, num dos melhores momentos de sua vida.
Sabia que estava afundando no eldorado, uma situação que não voltaria mais, e não tinha explicação para isso. Ela era jovem, inteligente, linda, realmente linda, muito mais linda do que ele, se ele escrevesse pequenos poemas, ela seria Nobel de literatura, se ele fizesse jogging, ela ganharia a maratona de New York, se ele atuasse de figurante num filme, ela seria Cécile de France. Ele sempre soube que deveria jogar no seu nível, “punch your weigh” diria Hornby, mas ela caiu de nocaute por ele, “une coup de foudre” como ela dizia costumeiramente. Atenciosa, carinhosa, curiosa, tudo o que ele sonhou.
E agora, imaginando-se bem arranjado no amor, mesmo sabendo que é um pouco cedo e que no amor tudo pode acontecer, crises existenciais maiores e maiores começavam a se impor.
Um dia lhe perguntaram como se sentia agora “preso”, já que estava namorando sério e vinha de uma vida de muitos relacionamentos superficiais e períodos de celibato. Respondeu que antes é que vivia preso, preso ao fato de ter que procurar a mulher perfeita, preso ao medo de não encontrar, preso ao desejo reprimido... e agora estava plenamente livre com a sua companheira. E essa liberdade lhe trazia questões vitais existenciais absurdamente complexas e importantes que se encontravam, talvez, escondidas atrás do instinto animal da preocupação prioritária com a fêmea.
Ela pediu para trocar a música ou ligar a televisão, talvez ainda pegasse o final da “StarAc”, sorriu. StarAc, pensou ele, StarAc, como ela é mignone et jolie. Sugeriu um pouco de musica brasileira, mesmo sabendo que ela preferia a televisão, ela sorriu consentindo, mas preferindo mesmo a televisão. Colocou MPB, velas, um chá de menta, aquecedor lutando contra os 3 graus negativos. Deitou-se de barriga para baixo, ela montou em suas costas e acariciava sua nuca falando de coisas vagas como ir para a praia no Brasil (imaginário país tropical) com os filhos (no plural) metade loiros e metade morenos (muitos) e depois preparar o almoço na varanda e namorar um pouco numa rede. Sentindo suas mão delicadas, mas fortes, em seus cabelos, depois seus jovens e consistentes seios pressionando suas costas ele pensava que a felicidade, se não fosse aquilo, seria algo muito próximo, e a história da bala na cabeça ficou mais longe. Virou-se, ela sentada em se abdome, olhou-a com ternura e se perguntou, Quem é essa pessoa? De onde veio essa pessoa? Como foi criada, de onde vêm as informações do software de seu cérebro? O que pensa do mundo? Como vai se transformar nos próximos anos com os relevos da vida? Ela lhe sorria gentilmente, um pouco maliciosa, balançando o corpo discretamente ao som de pop-soft-MPB.
Ele tinha certeza, é a hora de exercer seu direito ao risco e, se não metesse uma bala na cabeça num futuro próximo, iria fazer de tudo para levá-la cheia de filhos a uma praia no sul do Brasil.

5 Comments:

Blogger Sujeito da camisa listrada said...

Gostei

8:20 PM, dezembro 11, 2006  
Blogger Zaratustra said...

Duro não é saber que Deus morreu, mas que Nietzsche (papai), Freud, Sartre, Hesse, Keureac morreram.

4:05 PM, dezembro 12, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Este comentário foi removido por um administrador do blog.

11:22 PM, dezembro 12, 2006  
Blogger Marco Aurélio said...

Pelo menos Nietzsche deichou seu legado para quem ficou; já Deus...

12:37 PM, dezembro 19, 2006  
Blogger Rafa Kondlatsch said...

Olha, a bala na cabeça é tentadora, mas os seios nas costas é que são matadores... Depois o punheteiro sou eu..

8:39 PM, dezembro 22, 2006  

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