24 maio 2006

A morte do velho


As onze e quarenta a mulher, com mau pressentimento, tentava acalmar as cadelas que uivavam como nunca. Meia hora depois foi avisada que seu marido foi encontrado morto, não muito longe dali.
Setenta e poucos anos, o velho morreu trabalhando com o trator. O velório foi em sua casa, com muita gente, vizinhos, parentes, amigos, uns de longe, padre, até alguns que não conhecia. As mulheres fizeram bolo e café. A noite toda, todos acordados, hora chorando, hora quietos.
Na igrejinha abarrotada, com o ventinho soprando e bastante pó, entrou o caixão ao badalar do sino rouco. Não foi tão triste, foi só o fim dele. E com o velho também estava indo um jeitão de viver. Trabalhador, simples. Que arava, carpia e trabalhava com as próprias mãos o seu terreno.
O velho estava indo. E já estava ficando desajustado, tudo estava estranho pra ele. As coisas estavam diferentes. Aqueles cafés com pão, manteiga, queijo, lingüiça, bolo, nata tudo caseiro; não existia mais. Estranhou quando viu alguém mandar buscar uma pizza. Poucas visitas, cada vez menos conversas, sem força pro trabalho e o pior eram os remédios.
Admirava seu neto que passava quatro horas na frente de um computador e imaginava que isso deveria ser bom. Não saberia aconselhá-lo.
Levado a seis mãos até o cemitério, uns duzentos metros da igreja, onde foi enterrado, sob sons de sanfonas de amigos lembrando qual sua música preferida.