Todas as manhãs do mundo

Bem atrás daquele morro os já não tão jovens, antes subiam pelo fio da navalha, no lado selvagem da vida, criando o seu mundo que cisma em perder o sentido. Hoje companheiros se iludem. Ofuscam seus olhos azedos em torno de cifras. “_Meus projetos não incluem você”.
Na sacada, os brâmanes sugam brahmas e entorpecem felizes em histórias velhas, que embalam o porre de quem estava pra cá e não lá. Duas ou três respostas indicavam que a garota Leprechaum entendia, pelo menos um pouco, daquelas coisas de tempos passados. Que sacada.
Já na festa os mesmos personagens que remexiam o passado proibido e pedras de gelo dentro de copos na bebida amarela. Deixam seus lobos internos rosnarem presos, enquanto batem tapas nas costas dos velhos xamãs, algozes e aliados. Vamos voltar ao passado? Mesmo que me arrependa.
Você ama o passado e não vê que o chato, o estéril, o sem graça do novo sempre vem. _Amo o passado! respondeu Hary Heller, mais lobo da estepe do que nunca. _Mas já não somos os mesmos, lembrou minha Afrodite.
Já não somos os mesmos e até nem sabemos se somos. Mas sempre fomos nós.
Na mesa redonda os cavaleiros estavam nauseados. Como se tivessem ganhado a batalha a duras penas, tão duras que já não se sabe se valeu a pena. E deixaram o charuto, a conversa e a festa pela metade. Nem a dança, nem a música, nem o vinho quente lhe subiram pelas cabeças espessas.
E o sono promete reparar o gosto amargo desta aula.
Aula de Saint Colombe, aquele mestre que ensinava a seu discípulo que a devoção à música era algo sério, algo de profundo, algo que não podia ser interesseiro. Ensinava com a austeridade que tocar para o rei era errado.
E o sono me trouxe a esta manhã. A todas as manhãs do mundo.
Referência ao filme: Tous Les Matins Du Monde (1991), de Alain Corneau.