09 junho 2006

- Mato aquela cadela, mato! Repetia para si mesmo com os dentes cerrados esmagando o filtro de um cigarro barato que havia acabado de se apagar com achuva torrencial que começava. Arrumou o chapéu para a água escorrer para frente, chapéu que já devia ter tomado muita chuva na cabeça de seu avô que trabalhava, faça chuva ou faça sol, na construção de estradas de ferro no velho continente. Abrigou-se sob um toldo de uma "brasserie" cerca de duas quadras do prédio dela. Estava resignado, porém aflito. Suas mão trêmulas tiveram dificuldade para pegar outro cigarro, sentiu no bolso fundo da calça sua pistola, fria e dura. Não achou os fósforos. Pediu a uma jovem que passava na calçada, sem medo da chuva, mas com pressa, se teria um isqueiro ou algo do gênero. A menina parou, abrigou-se também no toldo, abriu sua mochila e procurou fogo em meio a uma dezena de canetas, cadernos e livros. Aparentava dezessete anos, cabelos curtos e rebeldes, moldados a gel, tatuagem clássica de borboleta no lado direito das costas escrito em baixo "papillon bleu". Ofereceu-lhe um isqueiro e um cigarro, marca cara. Ele aceitou sem esboçar sorriso. Ela acendeu um também, desligou seu Ipod, retirou os minúsculos fones do ouvido, e fumou lentamente, soltando longas baforadas cinzas, da cor do céu, no ar límpido dum dia de chuva. Ele fumava ansioso, tremia o cigarro na boca. Tinha medo que ela lhe fizesse perguntas, não queria falar com ninguém, a unica coisa que queria era matar aquela cadela, sua ex-amante. Ela fez um comentário banal, Choveu de repente, né? Ele assentiu com a cabeça, olhando-a muito rapidamente, manteve a cabeça baixa. Quando acabou seu cigarro ela disse, Vai ser um final-de-semana chuvoso e feio, mas de qualquer forma é um final-de-semana, temos que aproveitar, né? Ele levantou a cabeça, mirou seus olhos nos dela, verdes como o mar, e sorriu discretamente. Difícil saber se ele tinha uma lágrima ou a água da chuva escorrendo pelo lado de seu nariz e parando na barba por fazer do queixo. Ela continuou seu caminho pela chuva. Ele gritou, Tem horas? Ela abriu um grande sorriso, virou para ele, abriu os braços debaixo da forte chuva e gritou, São seis horas de sexta-feira, a melhor hora do mundo.
- Mato aquela cadela, mato! Agora chorava, copiosamente. Era a pior hora do mundo. Olhou para a janela do terceiro andar do prédio da ex-amante. Cortinas ainda fechadas. Engoliu o choro, terminou o cigarro, sentiu mais uma vez a pistola em seu bolso. Era poderoso, tinha a vida de vários ao seu redor em sua mão. Nunca tinha pegado numa arma, raras por aqui, mas podia sentir o poder daquela máquina, o favor que ela ia lhe fazer, matar aquela cadela. Pouco importava o risco que correu para ter uma pistola ou os danos colaterais que ela poderia trazer, isso veria depois. Ia fazer um favor para a humanidade, ia matar aquela cadela. Um amigo havia lhe dito, Para com isso, rancor é como um veneno que você toma e fica esperando a outra pessoa morrer, coisa pouco inteligente. Concordava com a visão do amigo, mas dessa vez era diferente, ele tomou o veneno, mas ela vai morrer.
Nunca tinha pensando no futuro, jovem com cerca de trinta e cinco anos, solteiro, família pequena e longe. Agora que não tinha mais futuro se deu conta de como isso lhe faria falta. Os filósofos compreendem cedo a finitude do ser humano, o fim da vida e a velhice inquietam a todos. Porém ele, que nunca apresentara uma inquietude existencial, se via agora sem futuro. Não conseguia parar de pensar que tinha um virús que lhe comia os glóbulos brancos e que terminaria por comê-lo todo em pouco tempo. Que morreria sofrendo, que nunca veria os filhos que não vai ter, que nunca mais gozaria os pequenos prazeres da vida e, principalmente, seria precocemente esquecido num cemitério por toda a eternidade. Seus médicos chamavam isso de estresse pós-traumático, ele chamava de ódio. E seu ódio tinha um culpado, era ela, cadela, que tinha lhe passado essa doença maldita, que tinha lhe tatuado a vergonha na testa, que tinha lhe roubado toda uma vida. Quantos mais ela matou? Mas isso vai acabaar, hoje mesmo eu mato essa cadela!
A cortina foi aberta na janela do terceiro andar, uma luz se acendeu. Ele suava, suas mãos tremiam, tinha a boca seca e as pernas bambas, mas estava convicto. Iria curar seu ódio e seu rancor, ia parar com mais sofrimento, ia morrer um pouco menos pior. Não a via há um ano e meio. Iria sorrir depois de lhe meter uma bala no meio dos olhos, talvez até conseguisse se divertir mais tarde nessa sexta-feira chuvosa. Caminhou rápido pela chuva, se parasse cairia sem controle nas pernas. Entrou no prédio e subiu até o terceiro andar. Apartamento 32, não poderia contar quantas vezes havia entrado naquele lugar repleto de felicidade, por vezes com ela no colo. Ela tinha cabelos escuros, filha de espanhois, grandes bochechas rosadas e um enorme sorriso. Pernas grossas e ágeis, seios fartos, voz doce. Com ela ele tinha sido um dos homens mais felizes do planeta. Com ela tudo era bom, os problemas da vida eram menores, um pequeno sorriso constante na boca. Mas o diabo se dissimula e aquela cadela tinha lhe dado uma sentença de morte nas noites de amor.
Abriu a porta lentamente, ainda tinha a chave, percebeu o corredor escuro. Havia luz na cozinha, mas ela não estava lá. Cheiro de azedo, comida estragada, louça suja na pia, sujeira no chão. A luz azulada da televisão iluminava a sala. O mesmo sofá de outrora. Tentou acender a luz, mas não funcionava, agora o cheiro era de mofo. Empunhou a pistola, destravou e engatilhou como lhe ensinaram, estava pronto, o dia tinha chegado. Ela se trocava no quarto quando ele entrou. Com o susto ela deixou cair a camisola, que tentava pôr com dificuldade, expondo seu corpo bastante emagrecido. Seios flácidos, costelas aparentes, palidez. Seu cabelo estava fino e sem brilho, uma grande ferida, bastante inflamada e úmida fazia uma clareira no lado esquerdo de sua cabeça e vinha até sua fronte, dando um aspecto horrível e monstruoso. Tinha os olhos fundos e olheiras negras, dentes amarelos, covas no lugar das bochechas. Assustada, falou, Jean, o que é isso? Sua voz saiu seca e rouca e começou a tossir. Ele apontou a arma para seu rosto outrora jovem e belo, mas não conseguia repetir o pequeno discurso que tão bem tinha preparado para aquela hora, tentou balbuciar alguma coisa, mas nada saia. Num segundo tinha os pensamentos todos embaralhados, sentia-se muito mal, uma dor insuportável no ventre, um frio glacial no peito, completamente vazio, sem chão, sem norte, sem rosto. Era menos que o nada, era o nada do nada. Caiu de joelhos, colou o cano da pistola na têmpora direita e disparou.
Não morreu, vive esquecido e doente, preso a uma cadeira de rodas num abrigo social. Guarda um sorriso discrteto no canto direito da boca. Dizem que é paralisia facial.

6 Comments:

Anonymous Anônimo said...

É por essas e por outras que eu só vou na zona! Mulé é bich'docão!
Prefiro paga com a grana que paga com a minha vida!

8:09 PM, junho 09, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Perro Nego! El Cão de estimação del Piedro Niegro??? Não não... apenas um erro de datilografiação! Fundeção! Ladrão???

8:11 PM, junho 09, 2006  
Anonymous Anônimo said...

au au!
aff aff....

úúúúúúúú

nham nham nham!

ué?!

12:05 PM, junho 10, 2006  
Anonymous Anônimo said...

Mas Pedro nego, existem vários casos de gente que se apaixona na zona! Tome cuidado, qualquer dia você pode acabar se apaixonando por uma prostituta e dando um tiro na cabeça porque ela faz amor com todo mundo.

9:29 PM, junho 10, 2006  
Anonymous Anônimo said...

dizem...

12:45 PM, junho 11, 2006  
Blogger Zaratustra said...

Acho que não é paralisia facial, é um problema sexual que se manifesta dessa forma!
Mas vamos e venhamos: corno manso é foda!
Ao corno manso que pensa que não é manso, mas é! Ao corno manso que tem tudo, mas é corno manso!
Um brinde solidário ao paraplégico corno manso!

4:00 PM, junho 11, 2006  

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