24 maio 2007

La valse D´Amélie [au piano]

Beautiful… gritava Moby nos auriculares de seu baladeur MP3. Desligou o aparelho para começar a ouvir o barulho das pessoas e da cidade. Desceu do Thalys na Gare du Nord. O cheiro era conhecido. Havia descido ali diversas vezes no passado. A Gare era a mesma, as pessoas também. Ele, apesar dos anos, guardava o mesmo peso, alguns cabelos brancos a mais, mas ainda vestia tênis, jeans e camiseta. A primavera em Paris descartava o uso de uma jaqueta. A música que escutava também havia mudado um pouco. A idade geralmente nos deixa duros e rigorosos, porém ele se tornava cada dia mais eclético.
Caminhou em direção a estação do metro, passou pelas clássicas parisienses jovens, com seus jeans tocando o chão, cintura Saint Tropez, sem vergonha do moderado sobrepeso e da faixa de pele não aceita pelas agências de modelo aparecendo sob a blusinha curta. Pouca ou nenhuma maquiagem, cabelos curtos desarrumados, sorrisos eternos, a antítese da patricinha. Quando apontava uma dessas aos amigos esboçando um elogio sempre ouvia – Cara, você gosta de mulher suja! Agora elas estavam todas lá, decepcionadas com a derrota de Sègolene e a chance de curtir um novo 1968.
Pardon aqui, pardon ali, entrou no metrô seguindo para a estação perto do George Pompidou. Percebeu um grupo de jovens marroquinos em frente a uma brasserie e pensou – Deve ser um lugar barato. O pequeno estabelecimento não tinha nada do charme parisiense, mas vendia Duvel a poucos euros. Ele achou isso um ótimo café da manhã. Saudou o dono em árabe, a única palavra em árabe que conhecia, saiu com a garrafa dentro de um saco de papel marrom. Caminhou pelas calçadas estreitas, chegou a praça em frente ao Pompidou. Fazia sol, muitas crianças e turistas por todos os lados. Foi até a fonte no lado esquerdo da suntuosa construção pós-moderna. Sentou na beirada do chafariz, terminou a cerveja, colocou os auriculares mais uma vez, Mobi cantava ... please don’t let me hit the ground...

Há seis anos havia feito o mesmo caminho e a encontrado nesse mesmo local. Seis anos sem vê-la, seis anos sem contato. Naquela época ela estava em Paris de férias e fez questão de marcar um encontro com ele na cidade luz para informá-lo de seu casamento nos próximos meses. Não podia mais esperá-lo, ele estava em Londres há quase dois anos, sem previsão de voltar. Apesar de terem combinado ficar cada um para o seu lado, mantiveram aquele tempo todo uma união como que espiritual. Ela começou a namorar um promissor empresário em São Paulo, ele mantinha relacionamentos curtos com outras estrangeiras perdidas em Londres. Há seis anos, dentro do musée D’Orsay ela lhe contou sobre o casamento, ele sorriu e desejou felicidade, ela respondeu que era isso que procurava. Perderam, ambos, o apetite, mas fingiram bem apreciar seus quiches num restaurante em frente ao Hotel de Ville . Naquela tarde atravessaram a Pont Neuf, desceram na Île de la Cité, foram até a pontinha, onde o Sena se divide, e em meio a outros jovens casais, beijaram-se demoradamente. O sol de final de tarde de primavera em Paris garantiu a fotografia. À noite, sentados no gramado do Trocadero, ela chorou vendo o show de luzes da Torre Eiffel. Ele ficou preocupado, mas ela disse que dessa vez não era sua culpa, dessa vez a culpa era dela. No dia seguinte, após o café, desceu para comprar o jornal e achou um cartão postal que procurava há anos para dar a ela. Uma foto em preto-e-banco de uma mesinha com duas xícaras de café, a Torre Eiffel desfocada ao fundo, e duas mãos de um casal, que se unem por baixo da mesa. Foram caminhar pela Champs Elysées, um silêncio desconfortável. Ela precisava pegar o avião e continuar viagem, ele tinha que voltar para Londres. Despediram-se nas escadarias do metro em frente ao Arco do Triunfo. Ela chorava muito. Ele lhe deu o cartão. Ela leu a nota que dizia “Seja feliz, faça tudo o que for preciso, mas não morra, pois isso eu não posso resolver... o resto, o resto a gente resolve.” Suas lágrimas molharam o cartão, virou as costas e nunca mais se viram. Nunca mais conversaram.

Ela havia escrito um e-mail há alguns dias, laconicamente marcava o encontro, praça do Pompidou, sábado pala manhã. Explicou que estava morando na Itália há um ano e meio, não tinha muito tempo livre. Ele não respondeu. Comprou imediatamente os bilhetes do Eurostar. Passou a semana incomodado. Agora estava ali, tomando o sol daquela manhã, respirando mais uma vez o ar do continente. Nunca mais tinha vindo a Paris desde aquela vez. Começou a ter fome, eram quase onze horas, ela não tinha aparecido. Talvez tenha cancelado, dada a falta de resposta ao e-mail. Seis anos sem vir a Paris, lembrou do karaokê com os amigos na praça da Bastille, de se perder no Louvre, do museu do Rodin, do Moulin Rouge e o esplendoroso Montmartre. A vista da Sacré-Coeur era algo fantástico. Lembrou de uma amiga, ex-namorada de um amigo, que morava no 8ème arrondissement, poderia contatá-la, botar a conversa em dia. De repente o celular fez o som de recebimento de sms, um frio na barriga. Era ela, e dizia: Pont Neuf. Respirou fundo, levantou-se. Comprou um crepe sucré num vendedor ambulante. Seguiu caminhando em direção ao Sena. Passou em frente ao Hotel de Ville e lembrou da última foto que tiraram juntos. O Sena estava mais lindo do que nunca. Na cabeceira da Pont Neuf ficou indeciso se deveria procurá-la ou esperar. Os buquinistas a sua direita comerciavam livros usados, placas e todo o tipo de quinquilharia charmosa da rive gauche. Caminhou lentamente pela ponte, reparando as pessoas, os turistas, poucos estava sozinhos como ele. Do outro lado viu a imponente Notre Dame. Alias & Tarsier olhavam o “Plane that draws a white line” no MP3. Olhou ao longo da ponte e ao longo do Sena e como que por acaso percebeu ela sentada na pontinha da Île de la Cité, não confundiria seu volumoso cabelo castanho e aquela atitude de desdém com o mundo olhando para o infinito. Desceu as escadas e foi caminhando em sua direção. Ela o viu e se levantou, sorria discretamente. Estava linda, como sempre, seu rosto aparentava certa maturidade, talvez pelas discretas rugas ao redor dos olhos, mas seu perfeito nariz continuava dando um toque especial ao seu sorriso. Aproximaram-se, um pouco sem graça, mas felizes. Ele, de mãos nos bolsos, com a mochila pendurada por uma só alça no ombro direito, ela arrumando a blusa e limpando a calça por ter sentado no chão. Lacrimejavam. Ele havia decidido ser cordial, amigável, mas não sabia realmente o que iria fazer.
- E aí, beleza? Falou, sem tirar as mãos dos bolsos.
- Beleza, como você tá magro! A comida de Londres é uma merda mesmo, hein? Ela respondeu sorrindo e colocando as mãos na cintura
- Os restaurantes indianos são ótimos. Não imaginava mais nada para falar. Um silêncio de alguns segundos pareceu durar horas enquanto eles se examinavam e percebiam que, no fundo, nada havia mudado. – E aí, o que você quer falar comigo? Perguntou.
- Bom, acontece que..., pigarreou,... acontece que estou morando em Milão, como te disse, há um ano e meio, tenho gêmeos, lindos, dois guris, é a filial da empresa do Alberto, sabe o Alberto? meu marido, bom... acontece que eu não morri, e andei fazendo uns exames, minha saúde está muito bem, quer dizer... não devo morrer tão cedo, salvo, sei lá, um acidente ou coisa assim,... enfim, não morri, como você pode ver, é claro. Bom... vamos resolver essa situação?
Beijaram-se.

2 Comments:

Blogger Vênus de Willendorf said...

É,Paris.Cenário de amor,como sempre.

12:38 AM, junho 07, 2007  
Anonymous Anônimo said...

Vc descreve Paris como se tivesse anos na cidade luz...
Lembra uma historia minha, mas que começou na Espanha e acabou com apenas um encontro em Paris, 5 anos depois... daria um otimo conto...

3:43 PM, janeiro 27, 2009  

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