05 maio 2007

Golf

Há muitos e muitos anos, antes dos tempos dos santos, Deus olhou para baixo (achamos que é para baixo) e desabafou – É, fudeu!
Sentiu-se desolado, estava tudo errado. O que mais lhe incomodava era o fato de ter feito tudo sozinho, cuidado de cada detalhe, falado com os homens diversas vezes, aparecido algumas. Tinha até inundado toda esta merda certa vez, orientou bem os que se salvariam, mas nem assim.
Teve sempre a ajuda de seus anjos, principalmente após ter decidido que eles não teriam sexo, já que antes era difícil encontrar um anjo ou anja livres no meio da tarde, sempre escondidos fazendo o que deus tinha inventado de melhor. Mas seus anjos eram simples, obedeciam cegamente, sem organização, não poderia dar autonomia a eles. Sem contar que frequentemente eram violentos, queimar cidades eram sua preferência. Um deles mesmo se revoltou e foi criar um mito concorrente, que incomoda deus até hoje.
Sua primeira idéia era destruir tudo, talvez com requintes de crueldade, fogo e água por todos os lados, pragas e pandemias, entretanto estava decidido em simplesmente apagar o planeta terra, tirar umas férias e depois pensar no que fazer. Sua pretensão era criar um ser vivo mais musical, talvez com 3 ou 4 sexos para acabar com o preconceito, também com cores variadas na mesma família, e definitivamente proibir pagode, reality shows e revistas semanais.
Um anjo com cara de matreiro chamou o onipresente para uma conversa, - Chefe, tenho uma idéia.
- Ah é, desembucha, falou o onipotente.
- Modernização, lá e aqui! O anjo explicou para o velhinho barbudo (não o papai noel) que a moda era tercerizar. Deus precisava passar a administração dessa porra toda para gente competente, e ficar só jogando golf.
- Sério? E como vou fazer isso?
- Jogo rápido, respondeu o anjo, criarás uma filial na terra, com representantes e tudo mais, eles vão tocar tudo por lá.
- E como modernizo as coisas por aqui, ô espertão!!
- Seguindo a mesma lógica. A filial lá em baixo cria um monte de cargos de santos e outras bobagens. Esses aspones ficam por aqui, cuidam do tempo, dos matrimônios, das causas perdidas, das doenças, dos motoristas, da porta do céu, resolvem os miúdos, enrolam os graúdos, e assim vai...
- E eu jogo golf?
- Por toda a eternidade, se o onisciente desejar.
- Boa, fechado! Como vamos começar isso?
- Mandamos um cara inaugurar, daí o resto os homens fodem, digo, arrumam tudo depois, questão de tempo.
- Cara, você é mais inteligente do que parece, elogiou o criador.
- Melhor do que parecer mais inteligente do que é, respondeu o visionário anjo.
- Então está decidido. Agora para o fim do ano, mando um filho meu, representante homozigoto do céu, ele cria essa tal filial e eu tenho o descanso que mereço.
- Até já pensei nos pais terrenos. Uma judia linda, virgem, com um marido bobão, carpinteiro. Casal perfeito.
- Manda, então, o Gabriel falar com a mulher, explicar a gravidez e o futuro da criança, e você, que é mais malandro, vai falar com o pai, o tal de José.
- Seu desejo é uma ordem meu rei.
O anjo saiu contente de ter tido sucesso com sua idéia, mas contrariado de ter que falar com José, afinal a estrela da história será Maria, Gabriel ficará famoso e ele provavelmente será esquecido como um simples portador de novidades para o pobre carpinteiro. Imaginou a passagem nos futuros evangelhos (agora como toda a empresa haverá diversos manuscritos, pedidos, prorrogações, protestos, via amarela, azul, vermelha, muita, muita burocracia), talvez escrito por Mateus, um dos aspones que ainda nem nasceu, onde nem seu nome será lembrado (o que é a mais pura verdade, por isso não citamos o nome do anjo aqui, Mateus realmente omitiu).
Porém o anjo desceu na América do Sul e teve dificuldade de achar José entre os Tupiniquins e os Carijós. Nesse ínterim, Gabriel falou com Maria e anunciou sua gravidez. José ficou sabendo por terceiros, não aceitou a situação e deixou Maria, supostamente virgem.
O anjo perdido acabou achando o Oriente Médio, lugar seguro naquela época e encontrou José terminando de empenar uma ripa para fabricar uma mesa.
- José meu querido, falou com doçura.
- Sai assombração!!! Gritou José enquanto se escondia atrás de uma cadeira.
- Calma aí meu irmão, sou um anjo do Senhor, vim te trazer novidades.
José se acalmou quando viu as lindas asas brancas do homem alado e esperou o falatório, mas já adiantou, estava muito puto com a história toda.
- Espera José, não estais compreendendo. O anjo pensou em usar um discurso bem religioso para já ir preparando o terreno de toda essa baboseira que viria no futuro.
- O que dizes? Minha esposa está grávida e eu nem a conheço biblicamente.
- Mas trata-se de um filho do Senhor teu Deus que vem salvar o mundo, o anjo se esforçava para não gargalhar.
- O escambau. Sabes que todo corno é burro, porém não me enganarás desta vez. Deixe-me, voltarei para a carpintaria.
- Mas José, o fruto do ventre de tua mulher foi gerado pelo Espírito Santo, sem sacanagem, um milagre do Senhor.
- Pois que se proceda outro milagre. Não haverá mais conversa.
- José, tu és descendente da tribo de Davi e deves aceitar esta missão de teu Deus de ser o pai do Salvador, tentou o anjo.
- Mas o que dirão de mim, sabes como o povo de Deus é falador.
- Não te preocupes com isso, ninguém saberá e em poucos anos todos esquecerão, prometo, nada se escreverá sobre esse fato. Na verdade, o plano do anjo era organizar um best-seller por séculos com essa história
- Bem...
- E após o nascimento do Salvador, com data provável do parto para o fim do ano, perto do Natal, poderás conhecer a tua mulher, liberado, vai por mim.
- Está bem, concordarei com meu Deus, que outra opção eu tenho? Mas que me mande uma criança com meus traços, nada de loiros com olhos azuis.
- Confia no teu Deus e não te preocupas José, não te preocupas...

2 Comments:

Blogger Zaratustra said...

uma das melhores!!
excelente.

1:54 PM, maio 08, 2007  
Anonymous Anônimo said...

Por certo quantos já olharam aos céus por tão dignos desafetos (ou desamores) que fica difícil crer na supressão do sentimento...

10:45 AM, maio 28, 2007  

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